#270 - Ninfomaníaca - quem tem medo de Jerome? (Resenha crítica)

Caros amigos de chifres, 

no post de hoje do Blog Meus Chifres, voltamos a trazer uma dica valiosa para aqueles dias em que se pode esquecer da vida e curtir um bom filme na cama, principalmente se estiver acompanhado. 

Embora a dica de hoje não seja um filme diretamente ligado ao ambiente do fetiche que alimenta o nosso Blog Meus Chifres, temos em "Ninfomaníaca" uma obra que tangencia o ambiente do relacionamento cuckold X hotwife em uma breve passagem da trama, na qual o marido da personagem central percebe que abrir o relacionamento para outros homens terem relações sexuais com a sua esposa talvez possa ser o caminho para a estabilidade do casal que entra em crise.

Partindo do princípio, é fundamental advertir que se trata de uma obra cuja concepção e direção é assinada pelo genial (e por isso mesmo polêmico) Lars Von Trier, cineasta dinamarquês que proporcionalmente aos prêmios que coleciona prêmios, recebe críticas constantes e veementes, na maioria das vezes formuladas por aqueles que sentem-se desnudados pelas personagens do cineasta que consegue nos encurralar em um beco, cuja única saída é a janela que nos expõe para a sociedade.

E é justamente num beco, cercado por paredes com uma única janela que a obra "Ninfomaniaca" tem seu início, de onde se faz um percurso que explica, desde a sua origem, o processo de formatação da mente de uma mulher cuja sexualidade a conduz à ruína.

A longa narrativa atinge a marca de 5 horas que podem ser consumidas de um tiro só pelos interessados nos processos mentais que formam a nossas sexualidade. A fim de atingir o perfil comercial, o filme foi dividido em dois volumes nos quais são expostos 8 capítulos que nos permite compreender a trajetória da vida sexual de Joe, a protagonista da trama.

Focando especificamente no ambiente do nosso fetiche, o capítulo 6 intitulado como "Igreja Oriental e Ocidental (O Pato Silencioso)", foi aquele que me fez trazer o filme para a lista de resenhas do nosso Blog Meus Chifres, pela leveza com que Von Trier descreve a nós, maridos cornos mansos, em uma fala de Jerôme, o único homem que fez a personagem central da trama se apaixonar e até mesmo anular seus desejos mais íntimos.

Curiosamente Jerôme é o primeiro amante de Joe, a garota que se reconhece como ninfomaníaca como que para se livrar de qualquer possibilidade de amar. Depois de levar as 8 estocadas de Jerome (três na vagina e cinco no ânus, conforme conta a personagem narradora da trama), ela passa a viver uma jornada de décadas de contatos sexuais com diversos homens.

Porém, anos depois, ela reencontra aquele que lhe livrou da incômoda virgindade e viu surgir o sentimento do qual ela tanto tentou fugir. Nesse reencontro, ela se entrega à ele como nunca havia feito para nenhum outro homem que a possuiu, pedindo-lhe que "preencha todos os meus buracos". Mais uma obedecendo o mando dela (na primeira vez, ela ordenou que ele tirasse a sua virgindade) Jerome a fez entrar em crise quando se viu penetrada na vagina com o pênis, na boca com a língua e no ânus pelo dedo dele e constatou  "não estou sentindo nada", entrando num vazio existencial que é o prenuncio do soco no estômago daqueles homens que no seu íntimo já cogitaram mas não tem coragem de se assumir como um marido corno manso.

Jerôme é o primeiro homem que penetra aquela mulher ninfomaníaca que materializa o desejo de qualquer homem, a puta que fode, fode e fode. Depois de tantos outros homens que se sucederam dentro dela, ele é o único que desperta o sentimento daquela mulher predadora que nenhum outro homem conseguiu conquistar o coração. Tal condição é o que aproxima o espectador com a personagem. Fundem-se o personagem do filme com o homem que assiste e coloca-se no cenário no lugar de Jerôme, o único homem que conseguiu domar a ninfomaníaca indomável. É na projeção de Jerome que nós homens nos achamos o macho alfa.

No entanto, depois do coito no qual ele, o macho alfa preenche todos os buracos da ninfomaníaca insaciável, começa a derrocada do herói  como nas tragédias gregas em que o herói comete uma falha que sela o seu destino trágico. Jerome, agindo como o homem superior, libera a sua esposa para ter relacionamentos sexuais com outros homens, como meio de reencontrar o seu prazer perdido. É como se Jerome se sentisse culpado ou frustrado por, depois de ter conquistado a fêmea predadora, tivesse aniquilado aquilo que todo homem machista quer dela, a puta insaciável.

Seguindo o fluxo da tragédia grega, à medida em que Joe luta para reencontrar o seu prazer nos pênis alheios, perdido após o reencontro com o seu marido, ele vai se tornando o corno cada vez mais manso, quando percebe a perda da energia vital da sua esposa. Ciente de que havia se casado com uma ninfomaníaca, Jerome a libera para encontros sexuais com outros homens reconhecendo que 'quando compramos um tigre temos que o alimentar e satisfazê-lo", numa sutil e bela tradução do sentimento que todo marido que se reconhece como corno manso percebe em si quando se vê diante de uma mulher cuja sexualidade jamais se encerrará na relação com um único parceiro.

Dali por diante, a queda do herói é vertiginosa, passando a ficar em casa, cuidando do filho do casal, enquanto a esposa se entrega aos amantes que usam, abusam e descartam o corpo da fêmea insaciável.  Assim como na tragédia grega, este é o momento no qual a personagem se afasta do espectador deixando este com a sensação de ter caído em desgraça por causa daquilo que viu em comum com a personagem que lhe serviu de espelho.

E é justamente ai que Von Trier incomoda o espectador que lhe cobre de críticas que passam a ter então, uma conotação de protesto de quem se viu exposto no espelho da tela do cinema. Expostos na fala de Jerôme muitos homens se viram desnudos após tantos anos de esforços para ocultar o seu desejo de alimentar o tigre que habita em suas esposas e se assumir como o coadjuvante da obra cinematográfica, como um corno manso, obediente que aguarda a sua amada voltar para casa depois das mais sujas e perversas sessões de entrega ao macho alfa dominador que chega a lacerar a vagina dela, o sr. K. 

Assim como na tragédia grega, Jerome  joga a toalha e foge do relacionamento no qual a sua amada escolhe a convivência com o "amante" sádico que a flagela, oferecendo-lhe o prazer perdido que o corno manso não consegue lhe proporcionar. O medo do espectador que sofre o efeito catártico se amplia e toma ares de terror quando Jerôme sai de cena e deixa o espectador sozinho, com o pau na mão excitado por se ver um corno manso perdedor, porem sem ter mais a imagem do personagem coadjuvante para representar a si, naquela trágica passagem daquele se pensava ser o macho alfa e que foi transformado pela ninfomaníaca em um corno manso.

Jerôme é a encarnação do medo que nós cornos mansos sentimos de perder nossas amadas para os seus amantes, machos alfa que lhe darão o  alimento que não seremos capaz de ofertar

Ninfomaníaca é, sem dúvida, uma obra de arte. Uma forma de despertar os sentimentos mais recônditos de todo homem de ser um corno manso. Obra de extrema delicadeza, ela é tão suave que chega a pesar na consciência de quem testemunha a narrativa da mulher predadora sexual que coloca a nós homens no delicioso lugar de cornos mansos e submissos aos seus mais sacanas e perversos prazeres.