#31 - Bonitinha, mas ordinária (Resenha)

Caros amigos de chifres, como bem sabemos nem todos os dias é dia de chifre. Infelizmente, o ritmo da libido feminina, não acompanha o passo do desejo masculino e de tal maneira, é inevitável ter que ficar alguns dias na mão, à espera do fim da chifropausa.

Apresento nesta nossa conversa, a resenha de uma das mais interessantes obras da literatura dramática brasileira que aborda o universo que tanto nos estimula: a mulher que vai em busca da realização do seu desejo, usando o seu poder de sedução.

Abaixo temos uma resenha sobre o texto dramático, filmado duas vezes em épocas distintas (1981 e 2013). Após a resenha, escrita por Ana Claudia Monteiro, publicada no blog "mulheres que pecam" (http://mulheresquepecam.blogspot.com/2010/08/bonitinha-mas-ordinaria-perversao-de.html), publico os links para que seja possível conferir os filmes e morrer de tesão com a magnifica obra de arte do cinema nacional.

Maria Cecília, à primeira vista parece uma patricinha. A menina que ainda não conhece a vida. A filhinha do papai – “tão pura” que nem aula tem”, como diria o próprio. Tímida, recatada, inocente. Inocente demais. Não podemos esquecer que Otto Lara Rezende, ou Bonitinha, mas Ordinária é uma peça de Nelson Rodrigues. E Maria Cecília, mais uma da galeria de personagens polêmicos femininos do universo rodrigueano. Assim, nada é o que parece. E Maria Cecília, na verdade, não é nada, mais nada mesmo, do que aparenta ser.


Filha de um rico empresário, Maria Cecília tem cara de anjo e jeito de menina.  Torna-se noiva por imposição do pai, depois de ser atacada por cinco crioulos num lugar ermo. O noivo, Edgard é o personagem cujo Pathos é o eixo principal da trama. Um homem cuja moral está em constante desequilíbrio, dividido entre a ambição, o desejo e os próprios valores.
Werneck, o pais da moça é o grande corruptor – compra casamentos, virgindades e violações de toda espécie – inclusive sexuais. Tenta comprar Edgard para Maria Cecília com um cheque voluptuoso que se torna o símbolo do desenvolvimento moral do personagem – rasgando o cheque, Edgard escolhe a retidão de caráter; se descontar o cheque, corrompe-se.

Ao cheque junta-se uma frase repetida à exaustão por todos os personagens da trama, e atribuída ao jornalista Otto Lara Rezende (daí a sua mensão no títuo da obra): “o mineiro só é solidário no câncer. Traduzindo: se a farinha for pouca, o caráter vira pó, eo sofrimento do outro passa a ser preferível ao seu. O “câncer” se solidariza na dor: a dor individual que suprime a dor do outro. Ou nas palavras de Edgard, se você não for canalha na véspera, será canalha no dia seguinte”. Nesse ritmo, Edgard oscila entre o caráter e a canalhice durante os três atos da peça. E essa oscilação também toma corpo na forma (ou nas formas) de Maria Cecília e de outra mulher, que funciona como seu dopler: Ritinha, vizinha d Edgard, e por quem  este é atraído.

O ingrediente na construção moral das duas personagens é o mesmo: a violação sexual, ou a maturidade forçada. Maria Cecília, como já dissemos, alega ter sido estuprada por cinco homens e Ritinha, por outro lado é uma prostituta que se passa por professora num colégio de freiras.

À princípio, a mentira e a inocência parecem estar com Rita e Maria Cecília, respectivamente. Mas, em Nélson Rodrigues, nada e o que parece. Ritinha conta que a mãe fora acusada de desvio de verbas, e que ela foi atacada por um dos responsáveis na apuração do caso, que exigiu o abuso sexual em troca da inocência de sua mãe. A mãe, é claro, não foi inocentada, e Ritinha teve que trabalhar para repor a soma roubada. Escolheu a única profissão que dava muito dinheiro rápido.

No melhor estilo da Lucíola alencariana, a violação de Ritinha é produto da necessidade, e a consequente prostituição, um meio de sobrevivência. Sem pai presente e com a mãe desempregada e desequilibrada, Ritinha sacrifica a sua inocência para botar comida na mesa e dar um futuro às irmãs mais novas. Todo seu esforço prova ser inútil quando Werneck consegue atrair as duas irmãs de Ritinha para uma orgia onde a virgindade delas é a atração principal. Ritinha tenta salvá-las, mas as três acabam violentadas pelos vários homens presentes. A submissão compulsória do feminino ao poder do macho, na história de Ritinha, seguem vertentes distintas e igualmente trágicas: o sexo primeiro por imposição; e depois por (falta de) opção.

A história de Maria Cecília já e bem diferente. Aprendemos, no final do terceiro ato, que Maria Cecília convenceu o cunhado Peixoto (que é apaixonado por ela) a contratar cinco homens negros para violenta-la. “Ela pediu para ser violada!”, grita um exasperado Peixoto, ao contar  a verdade para Edgard. Maria Cecília queria que Peixoto assumisse o estupro e a ouvisse gritar os eu apelido de infância – cadelão. Racismo, sexismo, chauvinismo: tudo explorado numa única cena. Rodrigues descreve com exatidão a mesma história, em dois pontos de vista. A primeira na voz de inocente e mentirosa de Cecília quando ela conta a Edgard a sua versão sobre o estupro; a segunda na voz perniciosa de Peixoto, quando este revela toda a verdade.

O que fica claro, em ambos os casos, é a relação entre o subjugo sexual e o poder. Na versão de Cecília, ela é dominada; na versão de Peixoto, Cecília domina, paga para ter a experiência sexual que bem entende, explora a força do macho que lhe atrai, comprando o próprio prazer.

Não é preciso dizer qual versão é a mais fácil de acreditar, porque é a mais próxima da cultura misógina que permeia o enredo: a mulher é tão frágil quanto volúvel e precisa ser protegida ou subjugada. Por isso, Cecília circula impune e praticamente incógnita por quase toda a trama, manipulando todas as figuras paternas: o pai, o cunhado, o noivo.

Acaba morta pelas mãos de Peixoto, com o rosto desfigurado por uma garrafa quebrada. É a beleza, símbolo do poder feminino na peça, sendo destruídos pelo ódio e pela violência, atributos essencialmente masculinos.

Temos nessas duas mulheres, portanto, o contraponto entre o pecar por necessidade e o pecar por promiscuidade. Mas ao contrário de Maria Cecília, Ritinha (a Lucíola de Rodrigues) encontra sua redenção em vida, ao fugir com Edgard para renascer como esposa, namorada e amante de um homem só. Edgard escolhe a retidão e rasga o cheque. E o sol nasce para o casal, prenunciando uma nova realidade.

O desaparecimento de Cecília e o renascimento de Ritinha são duas faces de uma mesma moeda: a satisfação sexual como parâmetro para mensuração do poder da mulher no contexto machista desenvolvido para a trama. “Bonitinha, mas ordinária” é uma título que denota toda a cornofobia masculina, bem como o entendimento tendencioso sobre a perversão que parte da mulher.

Certa ou errada Maria Cecília fez o que quis; o resto é dissimulação e silêncio. 




Clique aqui e assista à cena mais quente do filme, no Xvídeos




Link para o filme original (1981) - https://www.youtube.com/watch?v=mTfd84AVsVQ&has_verified=1  -
(cenas principais  - 0h18min40s até 0h21min03s  e 1h33min45s até 1h39m20s)




Link para o remake do filme (2013) - https://www.youtube.com/watch?v=wGPIr2E8sZs
 (cena principal 1h12min06s até 1h16m50s)



Comentários

  1. Obrigado, amigo corno. Tomara eu ser traído por uma menina brasileira que inspire e faça de mim a sua puta, também, literária, mas igualmente amaria que ela me contasse em pormenor e em gravação todos os pormenores da minha traição

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