#252 - 25/04 dia de cornos! (Dica)

Caros amigos de chifres,

O post de hoje do Blog Meus Chifres continua em tom de comemoração, desta vez, religiosa pois neste dia 25/04, dia de São Marcos, é o dia do corno!

Embora seja um festejo de tradição profana, o evento já teve a devida liturgia católica como podemos conferir no texto do texto a seguir, publicado pela Secretaria Regional da Educação e Cultura da Ilha dos Açores, assinado por Manuel Tomás Gaspar da Costa do Núcleo Cultural da Horta,  dando conta da recomendação divina para a continuidade da  comemoração do nosso divino dia.

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O dia dos cornos na ilha do Pico 


Dizia-se, quando era rapaz, que na ilha do Pico ninguém nascia no dia 25 de Abril.

Ainda a data não tinha o significado que a Revolução dos Cravos lhe deu, como dia marcante do nascimento da democracia em Portugal. E se alguém nascesse mesmo nesse dia, era mudada a data no registo, para o dia seguinte. 

Os tempos mudaram e também o 25 de Abril, como o dia dos cornos, também perdeu a sua pujança e apenas algum valente mais saudoso ou cioso das velhas tradições teima em mantê-lo, mas pouco ou quase nada já damos pela sua existência. 

Se em São Mateus, como reza a tradição e alguns registos o confirmam, embora o façam em forma de ficção, havia alguma ligação entre o profano e o religioso, nos outros lugares não consta que houvesse qualquer ligação do dia dos cornos com a celebração do dia de São Marcos.

Depois de muito ter ouvido falar, na escola, na festa dos cornos, resolvi, na companhia de um colega, ir assistir à festa. Com algum receio, colocamo-nos atrás de uma parede e através dos buracos da mesma ficámos a ver todo o espectáculo. Já estava montado o material da fogueira para a folia. No meio do largo da «pedreira», erguia- -se um monte de lenha seca e alguma verdura e em cima uma considerável quantidade de cornos de vaca e de boi. 

Um pau enorme e enfeitado era encimado por uma fantástica coroa, um monumental par de cornos de um boi que terá feito a inveja a muita vaca mais atrevida daqueles tempos. Havia uma coroa, feita com umas folhas de louro e alguns cornos, colocada em cima de uma mesa, onde também estavam algumas garrafas de aguardente. 

Começou a festa. Dois homens, recentemente casados, presidiam à cerimónia. O dia dos cornos na ilha do Pico Largaram o fogo e foram ateando a fogueira. O barulho, ou melhor, a gritaria, ia acontecendo. E quando passava algum homem casado, obrigavam-no a parar, a deixar-se coroar e depois era compensado com um copo de aguardente. 

Lembro-me de ver um tio meu a chegar, ser obrigado a descer da bicicleta e como quisessem coroá-lo e ele não estivesse de acordo, sempre agarrado à bicicleta, deu um grande pontapé na fogueira, o que fez com as guardas se abrissem e assim lá fugiu ele, ladeira abaixo, mas sem levar com o par de galhadura que o esperava.

Em contrapartida, um conhecido figurante do lugar, amante profundo da aguardente e muito experiente em matéria de cornos e coroações frequentes e afamadas, estava sempre disposto, à falta de clientes, a ser coroado, pois tal lhe garantia mais um copinho de aguardente. 

Anoitecia, embora já fosse Abril adiantado, e tinha de regressar a casa. Ainda vi os mordomos da festa carregarem as cinzas para dentro de umas vasilhas e colocá-las em cima de um carrinho de mão. No dia seguinte, disseram-me que tinha havido procissão e do lado de dentro de cada portão de homem casado tinha sido depositado um pouco da cinza dos cornos, para que nenhum se esquecesse da sua condição. 

Recordo a zaragata que o professor fez no dia seguinte, quando chegámos à escola, porque vira algum de nós na procissão das cinzas e isso foi muito mau, porque a vara de castanheiro, guardada debaixo da secretária, saiu fora e certo desgraçado levou pela alma da caixa velha. 

Vou à procura de registos destas festas, mas a melhor e mais pitoresca que encontro é a de Raúl Brandão, em Ilhas Desconhecidas. Apesar de a data dedicada ao Pico ser a do dia 26 de Julho, alguém lhe terá contado a história e depois completou-a com o recurso ao coronel Afonso Chaves e à sua obra, As festas de São Marcos em algumas ilhas dos Açores e a sua origem provável.

O livro foi publicado em 1926 e em nota de rodapé, citando Afonso Chaves, diz-se que «Hoje em dia já não é grande o número de localidades onde se celebra esta festa, sendo evidente que o brilhantismo dela depende principalmente dos dirigentes da confraria.» Atribui-se a origem da festa dos cornos à colonização flamenga e assim se explicaria que fosse no antigo distrito da Horta onde pontuava a festa. 

Há dias confrontei um homem de 90 anos que não fazia a menor ideia destas festividades, pois sempre tendo residido na freguesia de São Caetano, contígua a São Mateus, onde se celebrava com entusiasmo a festa dos cornos, não se lembrava de alguma vez tal ter acontecido lá pelos seus lados. 

Em São Mateus, no interessante e vivo relato de Renato Ávila, em Recios, edição de 2004, é-nos narrado, pormenorizadamente, a festa dos cornos, em tarde de São Marcos e com a participação alegre da rapaziada da escola, coisa que não vi acontecer na minha freguesia e no meu lugar das Sete Cidades. 

É desse livro, esta saborosa prosa: «– Ó corno, ó irmão! Salta cá p’ra fora! – se os tens grandes, manda alargar a porta! – Não t’escondas qu’eles saem-te p’lo telhado! Os batedores, os casados mais novos, adiantavam-se na mira de algum fugitivo. E a miudagem delirava, tocava com toda a força ferrinhos, tambores, latas... tudo o que fizesse barulho.» 

Em tempos remotos, diz-se que teria havido a permissão de entrada na igreja, onde a coroa dos cornos era benzida com água benta, mas já não encontrei ninguém que me pudesse corroborar nesta hipótese. E foi assim que antes do 25 de Abril em Portugal, já essa data era celebrada no Pico, mas por outras razões. 

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Ainda encontramos outras referências ao festejo, em fontes não oficiais, mas igualmente creditáveis, extraídas de livros de pesquisadores lusitanos que foram investigar a origem do festejo nos contam passagens interesantes, como a do ano de 1974, quando um padre tentou proibir a realização do festejo e acabou recebendo um recado de Deus para a manutenção do ritual do festejo de cornos da região. Vejamos:

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O Dia de cornos 

No século passado e ainda neste século, em várias freguesias do Pico e principalmente em S. Mateus, era muito festejada a Festa de Cornos, no dia de S. Marcos, que se celebrava a vinte cinco de Abril.

O Terreiro do Paço de S. Mateus era o ponto de partida para os festejos profanos e religiosos daquela freguesia. Dali saíam para a igreja, em procissão, e levavam uma coroa com um corno na ponta. Na igreja havia uma série de exéquias e a principal era a bênção da coroa com que se coroava depois os homens casados. 

Um certo ano, o padre não aceitou que se continuasse a fazer na igreja a festa do Dia de Cornos e, a tempo, disse do púlpito, para que todos o escutassem:
 — Este ano, no dia de S. Marcos, está proibido trazer a coroa de cornos para a igreja e fazer, cá dentro, qualquer outra celebração religiosa relacionada com essa festa.

O povo teve que aceitar a decisão. Mas a festa de Cornos era muito divertida e, chegado o dia vinte cinco de Abril, os homens juntaram-se no Terreiro do Paço com o mordomo e o escrivão da festa para irem, ao menos, correr a freguesia e coroar todos os casados mesmo que não fosse com uma coroa benta.

Entretanto o padre e alguns fiéis tinham ido para a igreja para a festa de S. Marcos, já purificada e livre de sacrilégios. Lá dentro rezavam tranquilamente de porta aberta para quem quisesse entrar.  Nisto, uma rês entrou na igreja e foi ajoelhar ao pé do padre para que fizessem os rituais que eram habituais na Festa de Cornos.

Todos ficaram de boca aberta, pasmados, e viram naquilo um aviso de que a Festa de Cornos era bem vista pela Providência. Isto é verdade como eu estar aqui sentado neste banco. Mas o padre manteve a sua opinião. A Festa de Cornos passou a ser apenas profana, mas ganhou ainda mais brilho. Alguns homens iam com búzios, apitos e assobios pelas ruas, fazendo uma barulheira medonha, enquanto um incensava, com raspa de corno sobre brasas, os homens casados ou cornos que encontravam. Estes ajoelhavam no chão e eram coroados. O escrivão riscava o nome no rol e lá continuava a procissão para que todos os casados da freguesa fossem coroados. Os solteiros, chamados burros, não podiam ser coroados e ficavam a apreciar a festa até serem também casados.

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Como podemos perceber, os chifres são dádivas divinas que devemos cultuar, comemorar e agradecer.

Feliz dia de Cornos!


INFORMAÇÃO ÚTIL FREGUESIA DE SÃO MATEUS LOCALIZAÇÃO: Concelho da Madalena, ilha do Pico. COORDENADAS GPS: 38°25’59”N – 28°27’31”O OUTROS LOCAIS DE INTERESSE NAS REDONDEZAS: Igreja de São Mateus (séc. XIX); Ermida de N. S. da Conceição (séc. XVIII); Império do Espírito Santo (1914); porto de São Mateus (rampa de varadouro e edifícios relacionados com a caça à baleia, séc. XIX–XX).

https://www.cresacor.pt/media/files/13_Artigo_O_dia_dos_cornos_na_ilha_do_Pico.pdf

https://lendarium.org/pt/apl/milagres/o-dia-de-cornos/

FURTADO-BRUM, Ângela. Açores: Lendas e outras histórias. Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999, p.220

Comentários

  1. foto mais emblemática que a do garotão, no topo da pagina, não há. reflete o estado de espírito do dono do blog. ;-P

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